Esta data adquiriu um forte poder simbólico. Juscelino Kubitschek poderia ter escolhido qualquer dia de abril, mas optou pelo 21. O fato de Tancredo Neves, que representava a redemocratização do Brasil, falecer em 21 de abril de 1985, mesmo dia e mês que Tiradentes, reforçou a áurea de mártir do presidente, aumentando a comoção generalizada. E, não por acaso, 21 de abril foi acolhido como o dia das Polícias do Brasil.
Apesar disso, o dia em homenagem à Tiradentes ainda recebe atenção de alguns setores ligados ao exército e em cidades mineiras, como Ouro Preto. Para o restante da população o 21 de abril anda perdendo seu caráter histórico, principalmente nas instituições de ensino. “Toda grande data comemorativa , está fadado a cair no esquecimento e ser lembrado somente pelo comércio ou oportunidade de férias. Isso ocorre com Tiradentes, na Páscoa e no próprio Natal”, avalia a professora do ensino fundamental Priscia Barbosa.
O professor Jefferson de Almeida Pinto questiona: “Para que é preciso utilizar a figura de Tiradentes hoje? Muitos professores entendem que Tiradentes é um bom exemplo para as crianças. Em algumas cidades, o uso ainda é político. Seja na sua heroificação por parta das classes dominantes que lembram sua luta pela liberdade, seja pela sua heroificação nos movimentos de esquerda que o associariam à resistência ao imperialismo. Mas historicamente, Tiradentes não é bem representado”
A vida
Tiradentes nasceu numa fazenda no distrito de Pombal, próximo de São João del-Rei, no estado de Minas Gerais em 1746. Órfão de mãe aos nove anos e de pai aos 11, ficou sob a tutela de seu padrinho Sebastião, que era cirurgião. Com a convivência, ele aprendeu ofício de dentista prático e acabou revelando, segundo relatos da época, habilidoso na profissão. A partir daí, foi apelidado de Tiradentes.
De origem humilde, de cidade do interior, em pleno Brasil Colonial e sem grandes estudos, a história de Tirandentes não tinha motivos para ser lembrada. Porém, depois de ser tropeiro, mascate e dentista, resolveu tentar a carreira militar. Chegou ao posto de alferes no Regimento de Cavalaria Regular, o que atualmente equivale ao posto de tenente. Foi nomeado comandante na patrulha do "Caminho Novo", estrada que servia como rota de escoamento da produção mineradora da capitania mineira ao porto Rio de Janeiro.
Em 1787, pediu licença de seu regimento e viajou para o Rio de Janeiro. Foi nesse momento, que Tiradentes traçou seu destino. Lá, entrou em contato com as ideias iluminista através de José Álvares Maciel, recém-chegado da Europa. De volta a Vila Rica, passou a divulgar publicamente os ideias e difundir a irresistível pergunta: por que Minas Gerais não podia se tornar autônoma e republicana como as treze colônias inglesas?
Tiradentes virou assim, garoto propaganda do movimento emancipacionista. Por onde passava, acudia num discurso de liberdade em bares, praças públicas, ajuntamentos comercias e até mesmo nos ajuntamentos militares. Sua palavras correram de boca e boca, de Vila Rica ao Rio de Janeiro. A ideia do movimento mineiro foi crescendo e ganhando adeptos, principalmente, da elite intelectual de Minas.
A Luta
Com o declínio da produção aurífera em Minas Gerais e a pressão metropolitana de Portugal para arregadar ainda mais ouro, a situação dos donos de minas ficou difícil.
A historiadora Carla Almeida explica que, para piorar a situação na colonia, foi decretado a derrama, “uma forma de cobrança feita com violência onde os fiscais invadiam as casas em busca de ouro, deixando a população revoltada com o governo”, explica.
Os inconfidentes viram nesse contexto, o momento ideal para por em prática as ideias liberais que corriam a Europa na segunda metade do século XVIII. Este grupo era formado em sua maioria por membros da elite que haviam estudado no continente europeu, além de figuras do clero, militares de alta patente, comerciantes e donos de minas. Dentre os nomes mais conhecidos, estão Tomáz António Gonzaga e Cláudio Manuel da Costa.
Mas a farra acabou antes mesmo de começar. Domingo de Abreu Vieira, Joaquim Silvério dos Reis e João Rodrigues de Macedo delataram a conspiração em troca do perdão de suas dívidas fiscais.
Os inconfidentes de elite foram julgados e receberam como castigo a tranferência para outras colônias portuguesas. Para Tiradentes, sobrou a forca.
A morte
Com a denúncia da Inconfidência Mineira, Tiradentes foi preso no Rio de Janeiro e permaneceu incomunicável numa masmorra escura durante três anos. Foi condenado pode ter cometido crime lesa-majestade, que significa traição ao Rei. Sua sentença de morte, lida em 18 de abril de 1798 foi executada no campo da Lampadosa (atual praça Tiradentes).
A Coroa Portuguesa ordenou que, depois de enforcado, seu corpo fosse esquartejado e sua cabeça pendurada em Vila Rica (atual Ouro Preto). Os outros membros foram colocados em postes de outras cidades entre Minas e Rio. O objetivo dessa crueldade era que o castigo de Tiradentes servisse de exemplo para outros que pretendessem seguir o projeto da Inconfidência, uma espécie de bode-expiatório.
Conforme os termos da sentença, a casa de Tiradentes em Vila Rica foi derrubada e seu terreno salgado, para que nada mais nascesse naquele solo.
Somente em 1867, quando ergueu-se um monumento em sua memória, Tiradentes passou a ser reconhecido como mártir da Inconfidência Mineira. No ano de 1965, o dia 21 de abril passou a ser feriado nacional por lei e Tiradentes passou a ser proclamado como patrono cívico da nação brasileira e das Policias do Brasil.
A figura de herói
Jesus. Essa é a imagem que vem a mente da maioria das pessoas ao olhar para a figura que representa Tiradentes. Existem muitas especulações a respeito dessa semelhança no meio acadêmico. Para alguns historiadores, o retrato de Tiradentes foi montado propositalmente para receber uma conotação religiosa e reafirmar um caráter de mártir. Com barba e cabelos grandes, roupa branca que remete a figura de santos, além da própria fisionomia faz relação com a imagem de Cristo.
Em entrevista para o site Cafehistoria, a professora de história da Unesp de Assis, Célia Reis Camargo, afirma que a ideia de herói é equivocada “Ele foi um um grande líder que lutou pelos seus ideais. Quando foi enforcado, Tiradentes estava careca e com a barba feita.Cabelo e barba longos poderiam interferir na ação da corda.”
A construção do retrato de Tiradentes está ligado à época em que o Brasil, controlado e explorado pela monarquia portuguesa, se agitava com as ideias republicanas. “Historiadores que trabalham com a produção artística brasileira destacam a importância que imagens de Tiradentes exerceram para a estabilização do sistema republicano no país. Tiradentes não poderia ser visto como um radical, precisava ser visto como um agregador. A sua imagem relacionada com o Cristo crucificado acabaria por atribuir-lhe uma função cívica e religiosa importante para os primeiros anos do novo sistema”, explica o professor Jefferson de Almeida Pinto.
Mas o fato é que Tiradentes se consagrou como o “herói brasileiro”. E é dessa forma que ele continua sendo visto por muitos. Para o policial Adriano Belini, Tiradentes foi um guerreiro “Ele lutou pra sair da pressão da metrópole. Organizou um movimento que conseguiu trazer pessoas para o grupo dele e mostrar a situação que o país vivia e o povo abaixava a cabeça. Ele via que aquela colônia ali tinha condições de progredir, de caminhar com as próprias pernas. Ele tinha uma visão de futuro para a colônia”.
Tiradentes é um personagem de grande importância na construção da história brasileira. Em vida, não alcançou os objetivos de tornar independente o Brasil colonial. Depois da trágica morte, virou ícone de seus ideias e acabou por simbolizar a luta pela liberdade. Reconhecimento, antes que tardio.