Sábado a noite e os cartões postais de várias cidades do mundo estavam no escuro. Quem saiu pra jantar, encontrou velas sobre as mesas e as luzes desligadas. Mas dessa vez o apagão era voluntário e tinha um objetivo: chamar a atenção para as mudanças climáticas. No dia 27 de março de 2010 realizou-se a chamada A Hora do Planeta, que deixou no escuro milhões de pessoas espalhadas pelos 125 países participantes.

A notícia de que ‘esse verão será o mais quente de todos’ já virou clichê. Enchentes e deslizamentos de terra se tornaram rotina nas reportagens dos telejornais. Pelo mundo, terremotos destruíram cidades, vidas. O primeiro semestre de 2010 sequer terminou, porém as cenas de destruição protagonizados pelos desastres naturais, fazem voltar a tona uma difícil pergunta: o que está acontecendo com a Terra?

Cientistas de todo o planeta buscam por essa resposta e grande parte deles revela o que mundo já sabe de cor: a temperatura continua subindo, as catástrofes estão acontecendo e todos nós somos responsáveis por isso. A partir daí, surgem intermináveis discussões e protestos anti-aquecimento realizados principalmente por ONGs, que desempenham um papel importante na mobilização social em torno das mudanças climáticas.

Pensando nisso, a WWF-Austrália criou A Hora do Planeta. O movimento começou em 2007, quando a ONG propôs aos moradores da cidade de Sidney apagar as luzes de suas casas por uma hora. Este ato serviria como forma de protesto contra o descaso do governo e das empresas aos problemas ambientais. A idéia se espalhou pelo mundo e, em 2008, já contava com 35 países.

Monumentos históricos como a Torre Eifel (França), o palácio de Buckingham (Londres), Coliseu (Itália), Times Square (EUA), Esfinge do Cairo (Egito), a Cidade Proibida (China), o Pathernon (Grécia) entre outros locais mundialmente conhecidos ficaram no escuro, aderindo à A Hora do Planeta. O Japão participou pela primeira vez este ano, apagando as luzes do Memorial da Paz em Hiroshima e a Torre de Tóquio.

No Brasil, 72 cidades de 20 estados apoiaram a causa. O Rio de Janeiro apagou a luz de lugares como o Cristo Redentor, Lagoa Rodrigo de Freitas e Orla de Copacabana. O apagão de 60 minutos também recebeu a atenção do Congresso Nacional, em Brasília e da Ponte Estaiada em São Paulo.


O que é aquecimento global
O tão temido aquecimento global, objeto de protesto da A Hora do Planeta, significa a elevação da temperatura do ar e dos oceanos. A bióloga Mariana Cardoso explica que, assim como o efeito estufa, o aquecimento é um fenômeno natural da Terra, mas que com a industrialização, esse processo se acelerou. O desmatamento e a queima de combustível pelos carros e indústrias poluem o ar, liberando o gás carbônico, enxofre, metano e outros gases tóxicos, que se acumulam na atmosfera. Esse acúmulo impede que parte dos raios solares voltem para o espaço, agravando o efeito estufa. Como conseqüências, a maioria dos cientistas alertam para o rápido derretimento das calotas polares, a ameaça de extinção de algumas espécies de animais e vegetais, o surgimento de desertos, a ocorrência de ondas de calor . Existe ainda a previsão de falta de água potável, mudanças drásticas nas condições de produção de alimentos e aumento no número fenômenos naturais como tufões e furacões.
Segundo o IPCC - Painel Intergovernamental para Mudança Climática da ONU- quando mais quente fica a Terra, mais umidade o ar é capaz de transportar, o que facilita a ocorrências de chuvas torrenciais. Países tropicais, como o Brasil, que já possuem freqüências elevadas de chuva durante o verão, são os que mais sofrem, registrando grandes e devastadoras enchentes, como as que ocorreram nos estados de Santa Catarina (2008), São Paulo (2009) e Rio de Janeiro (2010).

Ficar no escuro ajuda?
O ato de apagar a luz, proposto pela Hora do Planeta, é apenas simbólico e foi adotado porque é uma ação de visibilidade, simples, podendo ser feito por qualquer pessoa.
O principal objetivo da iniciativa não é economizar energia desligando a luz por 60 minutos, mas sim chamar a atenção para o aquecimento do planeta. Porém, é também uma forma de lembrar que na escala global, a geração de energia é a principal fonte de emissão de gases de efeito estufa.

A matriz elétrica brasileira é considerada limpa, já que 45,3% de sua produção é proveniente de fontes como recursos hídricos, biomassa e etanol, solar e eólica. Com o aumento das pressões ambientais, os governos e organismos internacionais resolveram aumentar seu empenho na substituição dos combustíveis fósseis. A União Européia, por exemplo, convocou os 27 países membros a trocar pelo menos 10% do volume de combustíveis fósseis usados em veículos por biocombustíveis até 2020. E mesmo a China, tão fechada para assuntos climáticos, investiu US$ 34 bilhões em energia limpa no ano passado, quase o dobro do investimento realizado pelo EUA.

Aquecimento no Brasil
A grande preocupação do Brasil se refere aos desmatamentos e as queimadas. Esses dois fatores respondem por 75% das emissões de CO2 no país. Se forem consideradas apenas as emissões de CO2 decorrentes da queima de combustíveis fósseis, o Brasil é o 16º maior poluidor do mundo. Mas, se for levada em conta a devastação ambiental, o país salta para a quarta posição.

Lutar contra o esse tipo de crime ambiental exige mobilizações políticas, econômicas e geográficas complexas. A engenheira ambiental Carolina Soares avalia que aliado a educação ambiental, é importante a criação de legislações mais rígidas e uma fiscalização mais atuante para combater o crime ecológico. Para Carolina, é necessário “a disponibilização de recursos para programas de contenção de queimadas e desmatamentos, uma vez que platio da cana-de-açúcar e o aumento das fronteiras agropecuárias são dificieis de controlar.”

Aquecimento global realmente existe?
Existem milhares de pesquisadores que discordam da veracidade dos dados sobre o aquecimento global. “Eles alegam que há distorções nos resultados das pesquisas e que os dados obtidos não são suficientes para determinar o impacto que os gases estufa podem causar e muito menos qual a influência humana”, resume a bióloga Mariana.

As duas linhas divergentes de pensamento sobre o aumento da temperatura do planeta geram polêmica do mundo científico. De um lado, os membros do IPCC, que desde o relatório publicado em 2007, apontam os aumentos de gases de efeito estufa (principalmente CO2) na atmosfera como principal fator promotor deste evento. De acordo com esta linha de pensamento, o aumento da atividade humana pós revolução industrial, acelerou a emissão desordenada de gases do efeito estufa (CO2, metano, óxidos nitroso e CFC´s) para atmosfera. Segundo o outro grupo de cientistas, considerados os céticos do clima, o planeta já passou por vários períodos naturais de resfriamento e aquecimento e desta forma, o atual aquecimento poderia estar muito mais relacionado com condições naturais do que com a atividade humana.
“Mas independente de onde esteja a razão, se é que ela exista, é necessário sempre avaliar a questão com um olhar crítico, buscando resultados de pesquisas comprometidas com o interesse científico e não somente com questões políticas e/ou econômicas.”, conclui a engenheira Carolina.


O mundo sem consenso e sem ações
Depois da conferencia de Copenhague em dezembro do ano passado, a preocupação com o meio ambiente só se agravou, porque o que vimos foi o eterno dilema dos países industrializados indispostos cooperar. Mais uma vez, os interesses econômicos e os conflitos políticos bloquearam as medidas necessárias para amenizar o aquecimento global. E no meio do jogo de empurra-empurra entre os dirigentes do mundo, os poucos resultados alcançados não tem valor legal. De acordo com o documento oficial da conferência, a temperatura do planeta não pode subir mais que 2º C até o fim do século.

Desconsiderando a recomendação dos cientistas, de 25%, a conferência propôs a redução 20% da emissão de gases poluentes até 2020. Menciona-se também um financiamento de US$ 10 bilhões por ano até 2015 cedido aos países pobres e que poderia chegar a US$ 100 bilhões por ano a partir de 2050. Porém, tudo isso são apenas propostas. O Conferência não prevê nenhum tipo de meta global de redução de gases estufa, ou seja, cada país agirá por conta própria e da forma que achar melhor. Os dirigentes também não planejaram nenhum tipo de fiscalização, apenas um acompanhamento.

As pretensões do movimento A Hora do Planeta, vão muito além do que ficou decidido em Copenhague. A WWF enumerou uma série de medidas pelo qual esse projeto vem lutando. As principais e mais urgentes mudanças, segundo a organização não-governamental são o comprometimento dos países industrializados em reduzir 40% de suas emissões até 2020; Financiamento público na ordem de 160 bilhões de euros para países em desenvolvimento investirem em adaptação e redução de emissões; e Um novo conjunto institucional no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima, permitindo coordenação, apoio e execução das decisões de forma transparente e democrática. Para países com florestas tropicais, como o Brasil, a organização propõe reduzir as emissões por desmatamento em 75%, também até 2020.

Soluções ambientais
“Solucionar completamente todos os danos que nossa civilização causou ao planeta, é considerado impossível”, afirma a bióloga Joana Freitas. O que se pode fazer é diminuir e controlar as emissões de gases poluentes. Segundo Carolina, o tipo de adaptação depende da atividade da empresa e principalmente do tipo de impacto que gera. Porém pequenas medidas de nível pessoal e empresarial fazem a diferença quando adotados pela coletividade “Todos podem e devem contribuir no dia a dia com tarefas simples, como coleta seletiva de lixo, utilizando o transporte público e exercendo o consumo consciente”, relata a engenheira.

A Hora do Planeta é uma tentativa e um aviso de que não podemos mais fechar os olhos, ou empurrar para que a próxima geração resolva nossos problemas ecológicos. Este é um exemplo de movimento que dá certo porque que vários países do mundo aceitam fazer a mesma coisa, ao mesmo tempo, com o mesmo objetivo. Será que esse consenso vai ser possível um dia em termos de políticas ambientais? O futuro mostrará.
Thais Caselli

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